segunda-feira, 21 de maio de 2012

Constantina no Estado de Minas


Esta é a cópia da página.



POESIA »Medos, mentiras e verdades


André di Bernardi Batista Mendes

Publicação: 19/05/2012 04:00

Mostrando maturidade e competência, Cínthya Verri lança seu primeiro livro, Constantina  (Fabrício Carpinejar/Divulgação)
Mostrando maturidade e competência, Cínthya Verri lança seu primeiro livro, Constantina


A gaúcha Cínthya Verri lança hoje, às 11h, na livraria Scriptum, o livro Constantina (Editora Edith, 80 páginas, R$ 25). Com essa bela e promissora estreia na literatura, a poeta retrata sua infância no município onde nasceu, 355 quilômetros ao Norte de Porto Alegre. Ela explica, por meio da poesia: “Nasci em Constantina/ meus pais me registraram na capital/ até meu nascimento foi uma mentira”.

Constantina torna-se, assim, uma espécie de Macondo, com seus mistérios, suas curvas, suas sombras, suas sobras. Dividido em três partes (“Destino”, “Fatalidade” e “Acaso”), Constantina é marcado por versos maduros, pungentes, curtos, sempre na medida. Como quem canta uma canção para espantar o medo, Cínthya encara, armada de palavras, o que pode haver de amargo na palavra terrível, mas sem exageros, sem excessos desnecessários. Ela meio que revisita seus medos infantis para melhor perceber as tantas mentiras adultas.

Cínthya tem um olhar insistente. Ela retira, como quem pega emprestado, o que pode haver de cômico e trágico e simplesmente transforma: “Meu desespero não é preto e branco, é colorido”. Poeta nasce poeta. Desde sempre, desde os primórdios, parece que a poesia marcou de forma profunda a vida, os momentos da autora: “Minha ama-seca/ esfriava o leite noturno/ eu mentia/ ainda está quente/ ainda está quente/ só para vê-la jogar a brancura/ de uma xícara a outra/ sem derramar sequer uma gota”. Assim é a poesia de Cínthya Verri: branca quando tem de ser branca, preta quando é de noite, azul quando tem de ser.

Cínthya não aceita fingimentos. Família, farsas, felicidades, tudo é turbilhão. Escrever um poema é finalmente chegar. “Só é tarde para os outros.” Para o poeta, tempo é sinônimo de caos, de alegria. O tempo, para Cínthya, corre amorosamente para dentro, num turbilhão feito de coisas vivas. Por isso tanta memória. Não tem a dureza, a poesia de Cínthya prefere, apesar do cinza, do tempo que pode ser temporal, a beleza, a essência do aço em flor.

Cínthya prefere – é isso, na maioria das vezes, é muito bom – a concisão para explorar o máximo que sobra, que explode de cada situação, de cada coisa que pulsa. A poeta reduz para melhor atingir, para tocar com mãos de gente o essencial. Que pode ser fogo, que pode ser água. A poesia de Cínthya é bonita, pois vem do trovão e é feita de flashes. Quase todos os poemas são carregados de uma luminosidade que atinge o simples, que chega a ser suficiente.

Se ela se desdobra para mostrar uma visão um tanto sombria do mundo, também é verdade que a poeta gaúcha não deixa de lado o essencial para a feitura do bolo, do poema. Cínthya, com ternura, é cheia de zelo, gosta de silêncios que, aos poucos, vão se transformando, pura alquimia, para ganhar cores e nomes. Raivas, nostalgias, melancolia, fracassos, diferenças. Não são apenas palavras. Tudo é o que parece ser, quando entra a faca do verso, que amplia o choque, que não coagula alma e sentimento.

Os poemas de Constantina têm algo de sol e lua, têm algo de terra que suja a face. Cínthya adianta para o novo o seu processo de lucidez e o faz de forma lúdica, fato que empresta aos poemas frescor e qualidade. Se a poeta respeita a página em branco, também pode ser verdade que ela retira, apesar de todas as sombras acima citadas, qualquer peso que porventura se sobreponha ao ato de escrever.

“Jogo no fogo/ a ver o que sobra/ o que fica sou eu.” Certas coisas são incomunicáveis: “Não entrego/ minha solidão/ nem a mim mesma”. Maior que o feio, existem beijos inesquecíveis. Os poemas de Constantina carregam densidades, mas trazem neste balaio estranho asas e ares de pura leveza, apesar da dureza, do cimento que insiste em versos como estes: “Me descalço de graça/ preciso sangrar os pés/ finos e magros/ vejo as vidraças da pele/ eu me desfaço a pedradas/ entre as veias”.

Não é preciso dizer mais. Cínthya, dentro do rude, contra malefícios, mentiras, murros, parece que insiste e prefere a suavidade. Sensível, bela, ela sacou que “só a música me enxerga”. Partida, abrindo-se à força, sempre partindo, indo para outras estações, a poeta vai de encontro aos contrários da vida. “As palavras não doem/ mais do que um soco.” Mas a vida dá voltas e voltas. De boba, Cínthya não tem nada: “Planejo mirabolâncias sangrentas”. A poeta, se não despreza, contenta-se: “Só me reconheço/ com pouco”.


CONSTANTINA
Lançamento do livro de Cínthya Verri, hoje, às 11h, na Livraria e Editora Scriptum (Rua Fernandes Tourinho, 99, Savassi).
Informações: (31) 3223-1789.

SAIBA MAIS

Talentos plurais
Natural de Constantina e radicada em Porto Alegre, Cínthya Verri, de 31 anos, é médica e mantém um quadro semanal chamado “Quase perfeito” na Rádio Gaúcha, além de colaborar com crônicas nas rádios Ipanema e Elétrica. Compositora, cantora, desenhista, blogueira, prepara um especial de músicas homenageando o artista francês Serge Gainsbourg.


Nenhum comentário:

Postar um comentário